sábado, 1 de abril de 2017

Conto: Gato

Gato

Eu escondi meu gato no bolso da jaqueta de couro, fechando-a até o pescoço. Sentia o filhote de menos de dez centímetros acomodar-se entre o forro e meu peito, ao lado esquerdo, bem sobre meu coração. A viseira de meu capacete estava trincada, e aquele milimétrico furo era como um jato de vento gelado perfurando meus olhos enquanto eu acelerava a caminho de casa numa manhã nublada de junho.

O animal resgatado, que agora precisava ficar com a cabeça para fora da jaqueta caso resolvesse se aninhar dentro dela, tornou-se um gato gordo, cinzento e sem nome que passeava pela varanda logo abaixo da janela do meu quarto. Ele sumiu na última sexta-feira.

É bizarro porque, após uma série de eventos desafortunados como a perda de uma chave, os trabalhos que esqueci que havia acumulado sobre a escrivaninha, os pedidos de minha mãe para que eu ficasse em casa naquela tarde, um pneu furado e um espelho rachado, eu passei a perna esquerda sobre o banco estofado de minha moto e saí do terreno. Vi o gato de relance, aprumado sobre o muro ao lado direito do portão.

No final na rua, fui empurrado por uma caminhonete vermelha e barulhenta que triturou minha perna, quebrando-a em dois lugares diferentes – no tornozelo e logo abaixo do joelho. Quando cheguei em casa algumas horas depois, engessado e sustentado pelos braços de meus pais, o gato não estava mais lá. Nem na varanda, nem na janela, nem na jaqueta. Em lugar nenhum.
— Você viu o gato? — perguntei à mãe antes de deitar.
— Deve estar por aí... — ela respondeu, dando de ombros — Boa noite, filho.
— Boa noite.

Recebi 30 dias de folga, sem nem pensar em tocar o pé no chão ou mover o gesso pesado. Já se foram 12, e o gato não apareceu. Tinha sonhos sobre ele com uma frequência assustadora. Quase sempre, sonhava que deslizava a perna boa pelo lençol, sentindo sua textura e encontrando o gato encolhido, dormindo ao pé da cama. Isso se repetia algumas vezes, até que eu deslizava a perna, mas não encontrava o gato — apenas um corpo gelado que me agarrava fortemente com a mão ossuda e escalava minha perna até chegar ao peito, sufocando-me em meu sono.

Acordei assustado e ofegante no meio da madrugada, respirando com uma força exagerada para sentir se meus pulmões funcionavam como antes — eles funcionavam. Sentei-me na cama e fechei os olhos numa tentativa de parar os flashes do pesadelo, que rodopiavam infinitamente pelo meu cérebro.

Quase dois minutos após, ouvi algo raspar suavemente o vidro da janela. O gato costumava fazer isso no inverno, quando queria entrar para se aquecer, mas agora estava quente e abafado. Achei estranho, mas inclinei-me para mais perto da cortina. O mesmo arranhar, agora quase uma batida inaudível.

Nutrido pela certeza absoluta de que o gato havia finalmente retornado e arranhava a janela para que eu a abrisse, levantei-me num pé só para fazê-lo. A imagem que já havia visto durante algumas madrugadas antes dessa se projetava em minha cabeça. Tinha certeza de que veria o gato ali, com as sobrancelhas franzidas como quem espera há muito tempo. Abri a janela.
Não havia nada.

Senti ambas as rachaduras em meus ossos enquanto um calafrio gelado subiu da sola dos meus pés até meu couro cabeludo pela coluna vertebral. Estagnei. O vento gelado que bateu em minhas costas certamente não vinha da janela, que estava posicionada logo à minha frente, mas causou arrepios que me fizeram estremecer violentamente. Tentei virar-me devagar, primeiro os pés, depois o tronco, por último a cabeça. De olhos fechados, todas as histórias fantasmagóricas que ouvi durante a vida vieram à minha memória.

Abro os olhos.

Ela está ali.

A mão ossuda de meus sonhos.

Pálida e sem vida como se tivesse acabado de sair debaixo da terra.

É a única coisa que vejo fora da sombra que se projeta dentro de meu guarda-roupas.

Congelado de pânico, sigo-a com os olhos até onde supostamente está a face da criatura.

Ela sai das sombras.

Branca.

Os ossos das maçãs do rosto, projetados para fora.

As olheiras profundas e escuras que por um momento ocultam os olhos gigantes da bizarra aparição.

Um sorriso malicioso de dentes podres e fétidos que se abre cada vez mais, até quase rasgar a pele que parece com papel de seda.

Os olhos amarelos sobrenaturais do gato.

Sorrindo, as órbitas oculares esbugalhadas, sobrevoa o piso lentamente.

Ela vem até mim.


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