Orquídea
The Eternal, Joy Division
pr'aquela orquídea de outro nome, que eu vou sempre bem querer
Eu tenho uma orquídea violeta que ganhei há quase três
invernos. Passei-a de um vasinho amarelo a um vasinho azul, e do vasinho azul
ao meu jardim. Ela matou todas as minhas flores. É que eu, que tanto amava
orquídeas, não sabia que essa espécie de planta rouba os nutrientes das
outras plantas. Elas fazem assim: enlaçam as outras com suas raízes fininhas e
as matam. Até as árvores grandes, depois de um tempo. Elas matam.
Fiquei com raiva da orquídea por muito tempo. Mas sempre
que ia arrancá-la de lá pra salvar as outras flores, ela floria. O sol batia na
orquídea violeta e nasciam outros botões. E eu sempre desistia de arrancar a
orquídea. Mas ela matava todas as minhas flores.
Um ano depois, quase todo o meu jardim estava morto. As
rosas, os lírios, as hortênsias, tudo. E mesmo
que fosse poética a situação daquela flor, mesmo que ela fosse bonita, mesmo
que eu sentasse ao lado dela pra contar histórias... não deu. Procurei um jeito
de tirar a orquídea da terra e plantá-la de volta num vasinho. Não era culpa,
era só a natureza da flor. Mas, de novo, ela matava todas as minhas flores.
Ela ficou morando na estufa, com as outras orquídeas. No
início eu ia mais lá. Visitá-la. Mas orquídeas não precisam de tanta água. Elas
morrem afogadas de amor demais. Comecei distanciar minhas visitas.
Principalmente porque precisava cuidar do meu jardim, que estava morrendo.
Fiquei assim até as outras flores voltarem a florescer – demorou um pouco, mas
voltaram. As abelhas também voltaram, junto com as joaninhas e as formigas. Meu jardim estava
bem.
Mas eu sentia saudades da orquídea. Às vezes ia até a
estufa pra ver como ela estava. Porque tinham conversas que não funcionavam com
as outras flores. Eu não me importava que ela tivesse matado meu jardim. Não
era culpa dela. Era a natureza da orquídea.
Nas visitas periódicas, ela me compreendia. A gente
conversava sobre coisas que as outras flores não entendiam, porque a alma das outras
flores era diferente – elas já haviam morrido. Mas minhas saudades não mudavam a natureza da flor.
Pensei que tem flores que nascem pra viver isoladas, assim, num vasinho azul ou amarelo. Que a gente acha belas e vai visitar de vez em quando. Que a gente continua adorando, mesmo depois do estrago imenso no jardim.
E eu ainda amo as orquídeas. Mas no meu jardim não. No meu jardim, nunca mais.