Sem Tinta
Mad World, Gary Jules
Eu roubaria sim. Contrariando o que disse mil vezes antes
dessa. Eu roubaria. O tempo. Porque tudo parecia menos urgente sem um prazo a
contornar. E mais fictício num período de 900 dias ao invés de 300.
Porque quando corre mais depressa não sobra tempo pra
jogos. Nem mágoa. Nem desenterro de passado. Nem nenhum tipo de raiva. E eu não
quero não conseguir dormir por questões de peso na mente ou na alma. E eu não
tenho tempo para corações partidos.
E além do tempo, segurar sua mão. Porque todas as coisas
poderiam ter esperado. Tempo vai mais devagar com você, porque quando te seguro
corro mais rápido. E porque eu queria te apresentar meu quarto antes que você
fosse, e antes que eu ficasse pensando nisso pra sempre. Mas eu nunca sei onde
você está. Nem quem você ama. Nem se você ama. Nem onde eu estou. E sou eu que
não consigo deixar pra lá, afinal de contas.
Jurei que dessa vez faria tudo. Mas como tudo, se amor é
um processo tão cooperativo e as pessoas são tão individuais? Se isso é o
conformismo, eu não quero mais. Se essa inércia é aceitação, eu não me sinto
tão plena em aceitar. E se o que estou fazendo é discurso, eu desisto. Porque
não sei mais escrever. Nem tenho o que dizer. E porque a linguagem torna meus
sentimentos pequenos do tamanho de uma folha, e me incomoda a ideia de que meus
maiores problemas são minúsculos assim.
Essa piada não tem mais graça. E vivendo de brincadeira
por tanto tempo, não sei o que fazer a partir daqui. Ou sei. Mas se depende do
sentimento do outro ainda é saber?
O mundo faz mesmo esse pouco caso com todos que se
apaixonam? Ou quem faz pouco caso somos nós? Ou nenhuma das alternativas,
porque na verdade todos estávamos sozinhos?
Eu não sei mais escrever. Porque agora não há ninguém
além de mim para culpar. Pela decepção que eu me causei. E pelas histórias que
eu inventei. E pelos sentimentos que não consigo compartilhar.
E porque no fim eu tenho muito medo da minha imagem no
espelho. E das coisas com as quais conto para me preencher. Eu não sei mais
escrever. Nem por que choro. E é verdade, eu buscava iluminação. Mas nunca
achei que a luz fosse cair sobre mim mesma como quem diz vá se virar. Daí choro
por todos os não culpados que culpei. Por mim mesma também.
Porque começo temer que todas as afirmações sobre amor próprio
talvez não se apliquem a todos. Que existem seres fadados a segurar a mão alheia
para não tropeçar. Mas e quando a mão alheia não quer mais nos segurar? Todos
os dias no colo de alguém diferente, e nunca sem parar de correr. Eu não sei
mais escrever.
Sabia que o tempo corre diferente para quem vai rápido e
quem vai devagar? Não fui eu quem disse. Foi Einstein. Eu não digo mais nada.
Porque eu não sei mais escrever. Porque palavras são muito limitadas para o meu
reflexo. Porque minha luz e minha dor e meu amor e minhas lágrimas não são tão
simples quanto 500 caracteres. Porque eu não caibo mais dentro de mim. E porque,
finalmente, eu não sei mais escrever.