Meu-Eu do Futuro
O texto é um conjunto de respostas embasadas numa carta
bastante sugestiva e curiosa que escrevi a mim mesma no primeiro dia de Janeiro
de 2015. O título era “Ao meu eu do futuro”.
Olá, eu do passado. Não foi de todo diferente,
mas algumas das pessoas não estavam lá esse ano.
Sim, eu parei na maioria dos dias. Às vezes algo me aflige, e confesso que
reluto um pouco antes de chorar. Pretendo libertar esses sentimentos me embasando
no fato de que a liberdade não é nada além de aquietar-se diante do que nos entristece.
As coisas não se resolveram. Continua confuso e não parou
de martelar sua cabeça por completo – logo desisto de tentar colocar em
palavras, e aí, eu aposto, tudo fica certo. Chorei sim, foi muito. Foi embora
alguns dias depois da carta. Entretanto, ao contrário do pavor que você
mantinha sobre isso, desenvolvi em meu coração o desejo de reconstrução e luta.
Vi beleza nas cinzas, no meu antigo eu esparramado pelo chão, afogado numa
banheira, quase completamente morto – vi a possibilidade de reconstrução, li
sobre a necessidade de nos tornarmos cinzas antes do renascimento. Permiti que
seu corpo fosse sucumbido pelas chamas e pela tormenta. E agora somos o que
construí até aqui. Baseado em arte, energias cósmicas, companheirismo, todos os
tipos de conhecimento que se pode imaginar e, principalmente, o desejo pungente
e levemente voraz do amor. Do amor para comigo mesma e para com os outros.
Adivinhe. Estava errada quando escreveu que o ano em que
viveu no passado havia sido seu melhor. Não nego a ideia. Mas 2015 foi melhor,
também. Nessa brincadeira de reconstrução, vi novas pessoas junto a mim. Vi
outros seres apoiando a cabeça no ombro do que um dia foi um criaturinha tão
medrosa, só a fim de pedir auxilio. Senti meu corpo no lugar certo. Senti-me
útil e necessária. E seria louco escrever que encontrei meu lugar, mas cada dia
essa casinha se parece mais com meus próprios ossos e especialmente com minha
própria mente. De auxiliar o outro. Oferecer mãos aos que se sentem esquecidos.
Conduzir mentes até certa parte do caminho, para que depois sigam sozinhas. O
trabalho que para mim é o mais fácil, e que os outros consideram bom o
suficiente para que haja busca e pagamento por.
Continuamos conversando, apesar do ritmo ter diminuído
gradualmente no último mês, não se sabe por quais motivos. Muita gratidão pela
amizade e conhecimento compartilhado. O platonismo desapareceu quase
completamente – e não digo completamente só porque não penso que sou capaz de
ter certeza sobre alguma coisa.
No outro caso, perda de tempo. Mas não completa. O nariz
continua sendo o mais bonito que já beijei.
E, quanto à minha estrelinha, sim. Mas os papeis
inverteram consideravelmente. Adquiri as rédeas da situação com mais firmeza –
e escrevi claramente firmeza, e não frieza. Um tiquinho por causa do orgulho
adquirido em batalha, e outro tiquinho graças ao “domínio” da mente. Foi, é meu
amor. Sempre será. Até termos aprendido o suficiente para, talvez, irmos embora
separados. Perante a isso, não nutro medo. Tampouco ódio. Nutro gratidão – pelo
amor, pela felicidade e principalmente pelo aprendizado. A propósito, ele fez.
E ficou belo.
Um bocado. Saudável. Pele. Ele cresceu, e pretendo mudar
de leve muito em breve. Ainda não. Não, mas quase-quase-quase (de qualquer
forma, não é mais uma prioridade). Sim. Sim. Não, e nem pretendo.
Ainda não. Ênfase no ainda. Os planos sobre isso têm
parecido mais reais, apesar de todas as reviravoltas. Não me deixa triste, pois
não é prioridade. Gosto e admiro muito ambas, mas tenho migrado para novos
ritmos – até samba.
Obviamente continuo – se parasse de escrever, como
respiraria? –, mas ainda não. Ainda. Dei os primeiros passos sobre isso há
alguns dias.
Um bocado sem sentido, principalmente no quesito mercado.
Mas, como citei, não me importa mais um terço do que importou – encontrei meu lugar,
e é deveras confortável. Um pouquinho das coisas, e sim, me deixou feliz.
Não continuo, mas tudo bem. São ciclos. Antigas pessoas
se vão e novas surgem.
Não sei responder sobre paixão. Se é sobre haver alguém
novo, houve. Que de quebra apresentou soluções que antes pareciam distantes
demais sobre o que pode ser o “amor” – me apresentou um pedacinho de mundo sem
ter nenhuma consciência do que fazia; me segurou no colo; cantou pós punk; me
apelidou de raposa; mostrou o alinhamento de vênus e júpiter debaixo duma
árvore. Passarinho voa, e eu também. Bem tranquilinhos, bem amadinhos, e bem satisfeitos.
Simples. Assim: “até a próooxima”, rindo.
Levando em conta a urgência das perguntas feitas por você
do passado, sim. Mente sempre gira, mas creio que esteja girando menos. Os
momentos de tranquilidade e calmaria foram maiores, mais longos e profundos.
Você conheceu budismo... e meditação.
O que me aflige agora... Nada em especial. Talvez algumas
questões não postas em palavras, não postas para fora. Um pouquinho de medo de
pensamentos críticos sem sentido nem embasamento.
O que me deixa triste... Neste exato momento, nada.
O que me deixa feliz... Quase tudo. Observar minha
própria mutação. O tom do céu às seis e vinte da manhã.
Mudaram. Mudaram muito. Mudaram drasticamente. Talvez
mais do que no passado, mas, é claro, tudo em seu tempo. Que sirva de lição: o
seu medo saltou da escuridão e te encarou por meses a fio. Nada foi mais pesado
do que seus ombros puderam suportar. Às vezes a mente tenta tanto ir à frente,
brincar de descobrir o que será, que não lembra do fato de que quase nunca,
quase jamais, temos propriedade suficiente para decidir o que nos fará melhor.
Amanhece agora. Muitos pássaros cantando. Vento gelado e
céu lilás com pontinhos cor de rosa, como fica depois de muita chuva. O meu
favorito.
(Ah, e felizmente, ninguém morreu!)