sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Elétrico

Elétrico

Colors, Halsey

Dormiu na minha torre como quem aproveita um castelo pela primeira vez. Os pés sobre o baú, as mãos sob o travesseiro e os olhos na estante. Sorria de longe, escondida, para a melodia da caixa de música que você fazia funcionar. E prendia meus cabelos séria, com você no canto dos olhos, esperando na porta.

E nessa de implorar silenciosamente por calma durante tempo demais, fazendo jus às minhas presas, seu espírito elétrico corria sem parar. Quando me tocava, a corrente me fazia pular. Você vermelho vivo, gritante. Eu azul denso, triste. E nós lilases.
Você abrindo trilha e empurrando galhos. Eu ao fundo, dizendo espere. Devagar. Com cuidado. Dizendo vamos sair da floresta, que aqui dentro é escuro. E dizendo ey... não morda forte assim.

Gargalhava enquanto você contava sobre minha própria grandeza. Mas me calava por dentro, ouvindo sua filosofia sobre as possibilidades infinitas do ser. Quando parava de gargalhar, chorava. E você nunca dizia quase nada. Só que não era pra eu falar coisas assim, que elas te assustavam. Eu sabia mais sobre medo do que você sabia sobre coragem.

Sentia muito pelas vezes em que te chamava e me afastava quando te via chegando. Te esfaqueei com o medo que sentia de não conseguir escapar de você. Da sua possibilidade de viver sem mim e continuar inteiro. Porque você sabe que sou egoísta sobre corações. E eu sei que você é capaz de desaparecer de repente.

Todos falavam sobre você como se tudo sobre seu ser fosse possível. Como se nada estranho fosse inesperado, nenhuma das inconstâncias. Com suas expressões de “Ah, sua bobinha, você não esperava isso dele?...” achavam engraçadinha a raiva que eu sentia quando alguém perguntava sobre.

E depois de algumas amoras, uma blusa no meu armário, a última estadia na minha cama e um hiato, te vi de longe. E com o tiquinho de raiva que move meu amor admiti que continuava te achando fantástico. Com seus colares e sua pulseira e seus óculos escuros. Mesmo que você segurasse outras mãos. Mesmo que eu segurasse outras mãos e que minha mente corresse em torno de duas outras pessoas diferentes.

Dessa vez, quem esquivava era você. E eu fui embora pra outra casa. Com você pendurado por um alfinete na minha jardineira, e eu pendurada por um cordão no seu pescoço.

Você é meu pra sempre. Eu quebrei seu coração.

domingo, 3 de janeiro de 2016

Das Nuvens

Das Nuvens


Perguntaria aos mestres as fórmulas que preenchem a solidão que se descobre enquanto se estuda a mente. E temeria que nenhuma delas silenciasse o medo da completa individualidade.
Abriam a boca para me contar que “cada ser nasce e morre sozinho” enquanto de olhos fechados eu nutria a certeza de que compartilhava da mente do outro.
Sinto muito, Buda, Sócrates e Osho. Pelas lágrimas que se tornam mais reservatório do que rio fluente. Por enlouquecer triturando o que não podia, posso ou poderei modificar. Por tampar os ouvidos diante ao questionamento e ligar a lanterna alheia no túnel de minha própria escuridão.
É só que ainda temo, passarinhos, observar todos os imaginários em particular. Sozinhos com suas interpretações. Projetando no mundo o que ocorre ali dentro. Segurando outro par de mãos para que se sintam menos sozinhos nesse mundo. E sendo os únicos, entre bilhões, a conhecerem os próprios pensamentos na hora de dormir. Quando é madrugada e as estrelas descem. E a loucura parece mais suscetível.

Quando na lógica diz-se de um jeito, a cabeça insiste em se atirar à frente, brincando de prever o que não aconteceu, acontece, acontecerá. Eu digo, dizia calma. Enquanto no colo de cem outros, a cabeça vagava pelo mesmo lugar.
Do trauma de se ver sozinho outra vez após o pensamento que se formava com uma certeza que para qualquer outro caso não existia, não existe - de que o laço vermelho de Akai Ito pendia entre nossas mãos.
E tremer como um terremoto diante de qualquer sinal do perfume. E recusar meu sorvete favorito. Porque a solidão me fazia mal ao estômago. À cabeça. E ao coração.
Vai o enjoo. Fica o medo. De não me sentir nunca mais protegida da incerteza. Porque em minha mente já domina o pensamento: "cada ser nasce sozinho, morre sozinho".
E tentei voltar ao mesmo rio. Mas ele já havia ido embora. E o que eu havia sido também.

Se você não possui, lhe dou. Minha mão. Meu corpo. E meu coração. Não pretendia, pretendo, pretenderei tomar-lhe algo de volta. Porque escolhi te observar no jardim, ao invés de matar suas raízes e te levar pra casa. Assim, você morreria e passaria a ser meu enfeite. E eu prefiro te amar, a amar aos meus enfeites.
É que precisamos aprender o dobro sobre o que ensinamos. E eu precisava, preciso, precisarei aprender sobre a compreensão. Insisti pela segunda, terceira ou quarta vez. E sempre que entrava, entrava melhor. Sempre que saía, saía pior. Cada volta sua o que me fez, faz. Que fazer com a mente, que tem consciência absoluta da necessidade da partida, mas traz intercaladas à sensatez lembranças belas assim?
O cérebro leva tempo para eliminar o que foi imaginado e em seu interior tornou-se realidade. Porque acreditamos na visualização, afinal. Nos planos sem querer. E na certeza da estadia permanente. Que não vai acontecer.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Meu-Eu do Futuro

Meu-Eu do Futuro

O texto é um conjunto de respostas embasadas numa carta bastante sugestiva e curiosa que escrevi a mim mesma no primeiro dia de Janeiro de 2015. O título era “Ao meu eu do futuro”.

Olá, eu do passado. Não foi de todo diferente, mas algumas das pessoas não estavam lá esse ano.

Sim, eu parei na maioria dos dias. Às vezes algo me aflige, e confesso que reluto um pouco antes de chorar. Pretendo libertar esses sentimentos me embasando no fato de que a liberdade não é nada além de aquietar-se diante do que nos entristece.


As coisas não se resolveram. Continua confuso e não parou de martelar sua cabeça por completo – logo desisto de tentar colocar em palavras, e aí, eu aposto, tudo fica certo. Chorei sim, foi muito. Foi embora alguns dias depois da carta. Entretanto, ao contrário do pavor que você mantinha sobre isso, desenvolvi em meu coração o desejo de reconstrução e luta. Vi beleza nas cinzas, no meu antigo eu esparramado pelo chão, afogado numa banheira, quase completamente morto – vi a possibilidade de reconstrução, li sobre a necessidade de nos tornarmos cinzas antes do renascimento. Permiti que seu corpo fosse sucumbido pelas chamas e pela tormenta. E agora somos o que construí até aqui. Baseado em arte, energias cósmicas, companheirismo, todos os tipos de conhecimento que se pode imaginar e, principalmente, o desejo pungente e levemente voraz do amor. Do amor para comigo mesma e para com os outros.

Adivinhe. Estava errada quando escreveu que o ano em que viveu no passado havia sido seu melhor. Não nego a ideia. Mas 2015 foi melhor, também. Nessa brincadeira de reconstrução, vi novas pessoas junto a mim. Vi outros seres apoiando a cabeça no ombro do que um dia foi um criaturinha tão medrosa, só a fim de pedir auxilio. Senti meu corpo no lugar certo. Senti-me útil e necessária. E seria louco escrever que encontrei meu lugar, mas cada dia essa casinha se parece mais com meus próprios ossos e especialmente com minha própria mente. De auxiliar o outro. Oferecer mãos aos que se sentem esquecidos. Conduzir mentes até certa parte do caminho, para que depois sigam sozinhas. O trabalho que para mim é o mais fácil, e que os outros consideram bom o suficiente para que haja busca e pagamento por.

Continuamos conversando, apesar do ritmo ter diminuído gradualmente no último mês, não se sabe por quais motivos. Muita gratidão pela amizade e conhecimento compartilhado. O platonismo desapareceu quase completamente – e não digo completamente só porque não penso que sou capaz de ter certeza sobre alguma coisa.
No outro caso, perda de tempo. Mas não completa. O nariz continua sendo o mais bonito que já beijei.
E, quanto à minha estrelinha, sim. Mas os papeis inverteram consideravelmente. Adquiri as rédeas da situação com mais firmeza – e escrevi claramente firmeza, e não frieza. Um tiquinho por causa do orgulho adquirido em batalha, e outro tiquinho graças ao “domínio” da mente. Foi, é meu amor. Sempre será. Até termos aprendido o suficiente para, talvez, irmos embora separados. Perante a isso, não nutro medo. Tampouco ódio. Nutro gratidão – pelo amor, pela felicidade e principalmente pelo aprendizado. A propósito, ele fez. E ficou belo.

Um bocado. Saudável. Pele. Ele cresceu, e pretendo mudar de leve muito em breve. Ainda não. Não, mas quase-quase-quase (de qualquer forma, não é mais uma prioridade). Sim. Sim. Não, e nem pretendo.

Ainda não. Ênfase no ainda. Os planos sobre isso têm parecido mais reais, apesar de todas as reviravoltas. Não me deixa triste, pois não é prioridade. Gosto e admiro muito ambas, mas tenho migrado para novos ritmos – até samba.
Obviamente continuo – se parasse de escrever, como respiraria? –, mas ainda não. Ainda. Dei os primeiros passos sobre isso há alguns dias.

Um bocado sem sentido, principalmente no quesito mercado. Mas, como citei, não me importa mais um terço do que importou – encontrei meu lugar, e é deveras confortável. Um pouquinho das coisas, e sim, me deixou feliz.

Não continuo, mas tudo bem. São ciclos. Antigas pessoas se vão e novas surgem.
Não sei responder sobre paixão. Se é sobre haver alguém novo, houve. Que de quebra apresentou soluções que antes pareciam distantes demais sobre o que pode ser o “amor” – me apresentou um pedacinho de mundo sem ter nenhuma consciência do que fazia; me segurou no colo; cantou pós punk; me apelidou de raposa; mostrou o alinhamento de vênus e júpiter debaixo duma árvore. Passarinho voa, e eu também. Bem tranquilinhos, bem amadinhos, e bem satisfeitos. Simples. Assim: “até a próooxima”, rindo.

Levando em conta a urgência das perguntas feitas por você do passado, sim. Mente sempre gira, mas creio que esteja girando menos. Os momentos de tranquilidade e calmaria foram maiores, mais longos e profundos. Você conheceu budismo... e meditação.

O que me aflige agora... Nada em especial. Talvez algumas questões não postas em palavras, não postas para fora. Um pouquinho de medo de pensamentos críticos sem sentido nem embasamento.
O que me deixa triste... Neste exato momento, nada.
O que me deixa feliz... Quase tudo. Observar minha própria mutação. O tom do céu às seis e vinte da manhã.

Mudaram. Mudaram muito. Mudaram drasticamente. Talvez mais do que no passado, mas, é claro, tudo em seu tempo. Que sirva de lição: o seu medo saltou da escuridão e te encarou por meses a fio. Nada foi mais pesado do que seus ombros puderam suportar. Às vezes a mente tenta tanto ir à frente, brincar de descobrir o que será, que não lembra do fato de que quase nunca, quase jamais, temos propriedade suficiente para decidir o que nos fará melhor.

Amanhece agora. Muitos pássaros cantando. Vento gelado e céu lilás com pontinhos cor de rosa, como fica depois de muita chuva. O meu favorito.

(Ah, e felizmente, ninguém morreu!)