sexta-feira, 10 de abril de 2015

Cristal

Cristal

Ouvindo: Nude, Radiohead

Fotografei o pôr-do-sol há exatos doze meses. Um ano. Não foi proposital... só coincidiu cruelmente com o dia em que nos encontramos pela primeira vez.
O mundo mudou muito pouco desde então. As folhas da nogueira sob minha janela continuam ficando laranjadas. Elas caem no Outono. O sol continua se ponto lindamente, no exato momento em que passo pela estrada às seis e meia da noite. As vidraças ficam embaçadas de madrugada. Venta durante a tarde. E faz frio durante a noite.

A imutabilidade que a natureza apresenta depois de tantas reviravoltas me afronta. O lembrete natural e pungente de que tudo permanece imóvel no passado, indiferente. Não importa com quantas ou quais metamorfoses a mente tenha que lidar.
Agora, sou um bocado frágil. A chuva diluiu a esperança. As estradas não parecem tão promissoras. Descobri que a profissão não apetece, não acalenta. Prefiro abaixar ao invés de levantar o queixo enquanto atravesso um corredor. E parecer vulnerável não incomoda.
Enquanto tudo desandava, agarrei com força a premissa de que você era o culpado. De que você, com todas as suas particularidades, havia me assassinado. Peço perdão por isso. Quando a vida vai mal e estamos sozinhos, todo o ressentimento precisa pousar sobre algo. Hoje, eu sei, ninguém teve culpa.

Privar-me-ia da habilidade de analise se pudesse, mas analisar é o que faço quando não tenho sono às quatro da madrugada. Algumas dessas analises felizmente acalentam meu coração, sendo assim, achei que seria nobre dividi-las:
Abril passado foi uma utopia fantástica. Tudo estava completo. Você era parte do complemento, mas não todo o preenchimento do pacote. Impossível calcular quantas noites de sono perdi por causa de uma ridícula dor nas bochechas, os pensamentos correndo como loucos em torno do personagem que eu nunca havia escrito.
O dia em que a primeira interrupção ocorreu – aquela que abriu passagem para tantas outras – coincidiu com a agregação de conhecimento devido à universidade, que muitas vezes apresentava dilemas ou questões que confrontavam meus credos, minhas ideologias, minhas opiniões.  Via-me desamparada, mesmo que inserida no ambiente que antes aparentava tanta confiança, tanta inovação, tanto suporte.
Observando de longe, durante o período em que ficamos afastados, seus braços sempre pareceram o porto seguro que me embalaria e acalentaria quando eu sentisse medo. Não sei o motivo exato. Ainda prefiro acreditar que nosso relacionamento não tem (ou teve) base no encontro físico, mas sim mental. O que me perturbava, de certa forma, o perturbava. A capacidade de compreensão era nossa característica fulminante. Permitia uma quase telepatia, aquela troca de olhares que transpareciam o que mil palavras não conseguiriam.
A falta de compreensão por parte do resto do mundo foi o fator base. Da necessidade, digo. A necessidade um do outro. E por mais que muitas vezes a necessidade engane, confundindo-se com “amor”, também fica claro que por ali pairava certa compaixão. Acredito que a necessidade por si só não me faria sentir um remorso de calibre tão alto quando pensava na possibilidade de que você não teria ninguém com quem compartilhar a dor que o afligia quando eu não estivesse por lá. E o desejo físico. Autoexplicativo.
Sempre que te via longe, a imagem que você transparecia era a de suporte. Fortaleza, muralha. Proteção. Protegendo-me. A única criatura viva que já havia ousado compreender minha mente, dor e aflição. A frase “preciso de você” não era mero apetrecho. Era real, se provava real. Acredito que para ambos.
Mas obviamente, você ali não era capaz de resolver tudo. E eu não era capaz de resolver seu tudo. A compreensão era uma arma poderosa, mas os dias iguais tornavam-se monótonos, monótonos, monótonos... queria ter feito tudo com você, mas convenhamos, como dois loucos perdidos dariam a volta ao mundo sem dinheiro pra gasolina? A realidade sempre foi dura demais com os contos de fadas.

Temos mentes de cristal, amor. O cristal é tão fino, tão frágil. Talvez apenas não tivéssemos prática com o manuseio. Coisas como esta acontecem o tempo todo. Eu não tive culpa. Você não teve culpa. Foram só as influências, as circunstâncias, as consequências –  como dizem na Filosofia.
PS: Neste texto não há conclusão. Apenas fatos.