Beija-Flor De Armadura
Ouvindo: Midnight Dancers, por Adrian Von Ziegler
Beija-flores são criaturas ridiculamente velozes. Asas,
olhos, batimentos cardíacos. Uma mente que corre depressa, sempre na direção
contrária da qual deveria.
Escolha viver num universo de maravilhas, sem nenhuma
dor, ou opte por enxergar a verdade. A segunda alternativa fará seus olhos
doerem. Ou seu coração.
A verdade não é algo que se engole facilmente. Principalmente
quando você a ignora por muito tempo.
Tenho ignorado a verdade com mais força do que gostaria
de admitir. Criando esse véu quase transparente que faz com que tudo adquira um
tom apagado de púrpura – digo que mais para os outros, mas no fundo sei que
toda a enganação e falsidade deveriam, principalmente, ME enganar.
Não quero enxergar, aceitar, acreditar num mundo onde
quem tanto quero existe, e não me quer de volta. Sentir-se perdido, sozinho e
aflito são entidades dolorosas, mas não tanto quanto aquela que te faz notar
que os sentimentos vindos do outro lado do espelho não correspondem a estes em
nada. Há alguém feliz sem você, e outro alguém preenchendo todos os espaços que
já foram supostamente ocupados por seu espírito, seus planos e suas
particularidades (este alguém parece cumprir o trabalho com maestria).
Todos os adeus, despedidas e sonhos... não resolveram
nada. Daria tudo o que nunca tive para, junto com aquele abraço, acabar com
toda essa luxúria travestida de amor. “Adeus” é fácil de ser dito mas,
obviamente, não acaba com nada. Só em nossas mentes estúpidas. “Vamos dizer
adeus agora. Para sempre. Vamos encerrar esses sentimentos por aqui, usando a
palavra mágica.” - Para mim, tolice.
Sinto-me presa num passado que, ironicamente, falava de um
futuro que não aconteceu. Não acontecerá. Ouço essas conversas, conselhos e
histórias forçando minhas próprias pálpebras a manterem-se abertas. Minha
mente, como a do beija-flor, está correndo, distante, para o lado contrário. Rio
ouvindo piadas, fingindo que aquela gargalhada não foi alta, desesperada ou
histérica demais. Sorrio a um estranho no estacionamento, e choro todo o
caminho de volta para casa.
O beija-flor, que mantem-se tão forte e plenamente calmo
dentro de seus olhos vazios, tentava alimentar a esperança de que, em algum
futuro próximo, aquelas asas salvadoras voltariam para ele. De que o sentimento
era realmente recíproco. De que foi verdadeiramente compreendido por seu
semelhante pássaro um dia. De que havia alguém (mesmo que do outro lado do
mundo) sentindo-se igualmente perdido.
Porém, se tudo isso fosse verdade, beija-flor não teria
chorado por uma noite inteira, agarrado àquela camiseta com resquícios de um
perfume tão familiar (o que restou da última despedida). Beija-flor não teria,
durante um passeio desinteressado, avistado aquele casal tão feliz e
artificial. Beija-flor não teria se perguntado, depois daquele “eu te amo”, o
motivo da despedida. E, finalmente, porque se tudo fosse verdade, beija-flor
não estaria sozinho agora.