terça-feira, 29 de julho de 2014

E Foi Por Isso Que Fugi...

E Foi Por Isso Que Fugi...

Queria ser corajosa o suficiente para dizer a ele. Acho que a palavra dita torna-se infinitamente mais dura e real do que a palavra escrita. Mas de todos os medos, e todas as dores, essa tem se tornado a mais densa e escura.

As ultimas semanas dão-se por ápices de alegria e mergulhos de tristeza, e eu não sei se há mais espaço na minha mente para tanto amor, dor, saudades e momentos entrelaçados como num novelo de lã que só cresce, e nunca para de fazê-lo. A dor emocional chegou a um extremo tão grande que passou a ser física. Pela milésima vez no ano.

1º: Eu sabia exatamente o que estava sentindo. Sabia que havia sentimento de volta. A velha história de dar um pouco, pegar um pouco;
2º: “Adeus” pela centésima vez;
3º: A saudade perfurante de todos os momentos vividos e não vividos. O sentimento recíproco que me mantinha sã;
4º: “Olá”, e a magia retorna (não sei, porém, se ela já era tão obscura quanto me parece agora... pareceu-me real, puro, mas não posso ignorar o fato de que você também me parecia ambas as coisas quando surgiu);
5º: Dúvida. Meus olhos de repente de abriram para o mundo em volta. As pessoas em volta. E uma delas em especial. Medo de magoá-lo ou arrepender-me de uma atitude precipitada, porém;
6º: Olhos fechados novamente. O sentimento de indiferença deu espaço a um profundo “não deveria ter feito isso comigo mesma” que apoderou-se de mim de uma maneira tão horrível que ainda predomina. Mas as coisas já estavam estranhas, e não havia nada, nada que pudesse ser feito.

É engraçado e tosco observar que eu pude sentir tanto em tão poucos dias, e como o que pensei que fosse tão grande veio a tornar-se menor do que um grão de areia perdido entre milhões de outros em uma semana. Sempre pensei que tínhamos nosso próprio tempo – e que ele corria mais rápido do que o relógio ou calendário comum conseguiam acompanhar –, mas a destruição de todo esse sentimento ainda me surpreende.
Foi rápido e extremamente patético. Algo no olhar do garoto que nos observava me amedrontou. Agora, depois da avassaladora descoberta (que não foi exatamente uma descoberta, dado que eu já sabia do que poderia estar acontecendo) entendo exatamente o que aqueles olhos gostariam de ter me dito. E eles eram a pena mais pura. A vontade de contar, de me fazer enxergar e o pedido de desculpas por não fazer nada disso. Nunca achei que amaria alguém que (praticamente) desconheço tão forte. Mas o amo por aquele aviso silencioso.
Aquilo perambulou por minha mente toda a noite. Não fazia ideia do motivo que poderia ter desencadeado tamanha tristeza, decepção e raiva tão rapidamente.

Descobri algo que não deveria ter descoberto. Minha mente e alma se dividem sobre sentir-me feliz pelos dois, ou triste por mim mesma. Se eu não o fizer, quem mais fará?
Parte de mim tenta convencer-me de que pessoas são pessoas, e pessoas se apaixonam por pessoas, mesmo quando também estamos nesta equação. Outra parte, porém, quer te mandar ao mais fundo buraco do inferno por ter criado uma situação como uma gaiola, da qual eu não poderia fugir, mesmo se quisesse.
Não te dói fazer com que eu me sinta amada enquanto seus sentimentos flutuam por outra pessoa? Falar comigo como se tudo estivesse bem enquanto há alguém te esperando do outro lado? Adotar-me como segunda opção enquanto todo o seu coração já estava tomado por um sorriso que eu desconhecia?
Porque me dói. E não existe segunda opção para me abraçar e trocar sorrisos enquanto sinto essa metamorfose de conformismo e ódio fulminantes.

Agora tenho a absoluta certeza de que você não deveria ter voltado. E eu não deveria tê-lo aceitado de volta, tampouco. Não o culpo pela paixão, mas o culpo, sim, pela omissão de informação. Por não ter-me contado. Por sentir-se confortável nos braços alheios enquanto me jogava na chuva. E sorrir por outra pessoa antes de dormir e depois de acordar, enquanto eu acreditava nas palavras vazias que foram atiradas como moedas a um mendigo.

E depois, há todo aquele discurso no qual tu acreditas, sobre a maldade e individualidade que cerca os seres humanos por puro instinto, que provou-se real. Não porque você ama outro alguém. Mas por ser tão cruel ao ponto de fechar os olhos e acobertar-se de covardia ao não me contar tal coisa. 
Quando falava do ser humano, olhava-se no espelho.
A criatura da qual tinhas medo, era a que se escondia no seu próprio interior.

Agora que a vejo tenho medo dela, também. E foi por isso que fugi. 

quinta-feira, 3 de julho de 2014

No Centro Do Alvo

No Centro do Alvo

Criei uma teoria baseada no céu. No céu do crepúsculo e, principalmente, no céu noturno.
O que ocorre é que a imensidão de estrelas flamejantes, nuvens avermelhadas e planetas distantes, de certa forma, gira ao meu redor. E isso tem feito todo o sentido possível.

Era tarde; quase meia noite. Eu encarava a imensidão azul coberta por nuvens alaranjadas que ameaçavam chuva, e o vento frio que balançou meus cabelos me fez tremer, embora não fosse exatamente este, eu sabia, o motivo concreto do arrepio. Não soube como interpretar o que a ausência de estrelas representava. Não no momento.
Sentia como se tivesse me jogado do penhasco mais alto e sido capturada por uma águia, que logo em seguida atirou-me contra uma rocha gigantesca com toda a força que pôde. A pedra caiu sobre mim, e o mundo desabou sobre a pedra. E tudo isso novamente, gerando um ciclo infinito. Não sei como consegui chegar à porta. Ao chuveiro. À cama. E ao sono muito menos, pois nem sequer encontrei rastro dele.

Só agora, exatamente vinte e quatro horas após o ocorrido, é que começo tentar dar palpites sobre o que o céu contava a mim sobre mim mesma. A cortina de nuvens que vi, parecendo tão tristes, porém serenas, escondiam toda a explosão de estrelas, planetas, névoas, galáxias que rompiam a calmaria azul. Situação idêntica à expressão que estampava o rosto que não reconheci no espelho.
E apesar de tentar chorar, eu sabia que o que mais queria no momento era gritar. E brigar com o céu. E xingar as estrelas. E te xingar. E me xingar. Mesmo tendo consciência de que isso tudo de nada adiantaria.

A cena que se forma em minha mente é tão tortuosa, triste e complicada que chegaria a ser bela de se assistir, não fosse eu a moça de vestido.
Ela tem as mãos atadas, e anda com o queixo erguido, de olhos fechados, em direção ao alvo. A seda toca o chão sujo. Seus cabelos soltos balançam com violência. Então, ela finalmente para. Bem no centro do círculo de madeira. Ela abre os olhos, e encara sua dor. Sua dor a mira de volta sorrindo, tão sádica e cruel, como uma desconhecida que a conhece tão bem. Isso a machuca, mas apesar de precisar prender a respiração para não cair, ela continua a encará-la. “Estou disposta a enfrenta-la. Pois é o que eu teria de fazer. Neste agora, ou noutro agora.”. E a dor mira seu peito, fecha um dos olhos, puxa o fio flexível, solta a flecha.  E a flecha a perfura, sim, trazendo com ela a lembrança, e a dor, e a dúvida, e a esperança que foi embora, e o cheiro doce que lhe fez tão bem, e o sorriso e os olhos que brilhavam quando ele acontecia, e as cruéis palavras que não foram sequer ditas por você!, e a outra, e as outras, e todas as pedras mais pesadas.
A moça leva as mãos ao peito, sentindo o sangue morno que flui, mas não tenta estanca-lo. Não tenta impedir as lágrimas. Não há mais risos forçados, ou tentativas falhas de manter algo no estômago. O vento para. A dor a encara ao longe. E suas pernas cedem. E seu corpo finalmente pode descansar sobre a relva. O vestido reluzindo sob um céu denso de nuvens brancas, parecendo cortinas. E ela sente a flecha. E evapora lentamente em direção à luz.

Certos fantasmas precisam ser encarados. Certas dores, sentidas. E quando as tentativas de ignorar falham, e tudo parece perder a cor, talvez devamos caminhar até o centro do alvo. O fiz. Porém nenhuma parte evaporou, ou foi em direção à luz. Penso que talvez isso leve tempo. E pergunto-me se o tempo, por si só, será capaz de levar consigo todos os resquícios de alma para que esta possa, enfim, buscar resolver suas pendências com outro ser pensante. Talvez tão maravilhoso quanto – o que ainda parece impossível.