quinta-feira, 9 de maio de 2013

Um Triste Adeus

Um Triste Adeus

Some corredores estreitos a dezenas de jovens trajados como estudantes bruxos; assim estava o shopping naquele 14 de julho. Fazia frio, e um dos gigantescos relógios na parede apontou vinte e duas horas. Naquele momento, durante aquela curta badalada, os pequenos bruxos reviraram-se em seus assentos. Eles tinham algo esperando-os por trás daquelas portas. Os corredores, antes vazios e escuros, foram completos por magia e vestes compridas, vestes estas que acariciavam o soalho carinhosamente, como nunca antes. 

E lá estamos nós novamente, crianças acompanhadas pelos pais, esperando sem o mínimo de paciência adentrar aquela escura sala de cinema. Harry Potter e a Pedra Filosofal, diziam cartazes bonitos e coloridos, que naquele momento soltavam luzinhas pelo ar.

As fitas amarelas e vermelhas que antes continham todos aqueles jovens, agora pairavam, solitárias, pelo chão. A bilheteria abrira. Pela última vez. E aquela garota coberta por um fofo cachecol azul e prata derramava sua primeira lágrima. 

E lá estamos nós novamente, empunhando varinhas que pareciam gravetos sem valor diante dos olhos sem treino. Nossos pais riem e reviram os olhos. O que teria o bruxinho Harry de tão especial? E o cartaz que passara despercebido não brilhava, mas anunciava Harry Potter e a Câmara Secreta, com um basilisco e uma garota de cabelos cheios.

O cinema daquela pequena cidade nunca havia recebido tantos bruxos, e os flashes das câmeras faziam tudo parecer com um sonho. Quem diria que todos aqueles rostos corados e escondidos parcialmente por chapéus poderiam um dia permanecer tão estáticos? E como se estivessem realizando um íntimo ritual, os estudantes tomaram a bilheteria inteiramente para si.

E lá estamos nós novamente, conversando animadamente com todos os amigos que fizemos. E nossos pais passam a compreender a estória. E em um cartaz ainda maior que os anteriores, estava sendo anunciado Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban. 

Todos empunhavam seus bilhetes, sentados organizadamente sobre o carpete, balbuciando tão baixo quanto possível. Os cachecóis e broches coloridos eram os únicos pontinhos de cor dentre as inúmeras capas pretas, e os bruxos, cada vez mais, ansiavam pelo momento em que adentrariam a sala escura de cinema. 

E lá estamos nós novamente, desta vez sozinhos. Temos onze anos de idade agora, e não sabemos o motivo que leva Aquele Que Não Deve Ser Nomeado a fazer tanta maldade. As coisas estão mais sombrias, e os inúmeros cartazes brilhantes e azulados estampam as paredes daquele pequeno shopping com Harry Potter e o Cálice De Fogo.

As últimas portas que distanciavam os espectadores da sala de cinema foram abertas, e os bilhetes eram carinhosamente carimbados por um homem de pelo menos 60 anos de idade, que não parecia se incomodar de estar ali naquele momento. O relógio eletrônico - agora mais distante e invisível aos olhos bruxos - apontou vinte e três horas. 

E lá estamos nós novamente, sentindo, pela primeira vez, receio pelo que estava por vir. As paredes estavam repletas de cartazes alaranjados que exibiam um grande e curioso pássaro, e as letras brilhantes anunciavam Harry Potter e a Ordem Da Fênix. Um casal de amigos segurava seu par de ingressos.

Agora os estudantes tomavam toda a saleta de cinema, ansiosíssimos. Como seria não repetir o mesmo feito no próximo ano? Como seria não ter algo pelo qual esperar? Eles não sabiam. Arrisco ao dizer que não havia nem mesmo espaço no interior daquelas mentezinhas apressadas para algo tão aparentemente insignificante como tal.

E lá estamos nós novamente, e não somos mais crianças. Estamos puxando nossas roupas e usando cachecóis que representam cada uma das quatro casas de Hogwarts. Curiosos sobre como seriam retratadas as memórias de Tom Riddle. Os cartazes agora são verdes, assim como todas as paredes do cinema, e eles possuem luzes piscantes e minúsculas, que formam as palavras Harry Potter e o Enigma Do Príncipe.

Os relógios de todos os cantos apontaram meia noite. E agora era 15 de julho. Um silêncio pleno e absoluto preencheu o ar, que prendeu e atrasou a respiração de cada ser diante da tela; tela, esta, que adquiriu cor. O silêncio liberado por ela pareceu ainda mais abrasador, e as luzes se apagaram. E o garoto que usava um broche da cor verde apertou a mão da garota que encontrava-se ao seu lado. Tudo parecia sombrio agora. Tão diferente das outras vezes...

E lá estamos nós novamente, com a sensação de que só haverá mais uma única vez depois desta. Estamos ansiosos pelos detalhes, e sedentos por mais. E há cartazes e cartões promocionais por toda a parte, que anunciam a primeira parte de Harry Potter e as Relíquias da Morte, e pela primeira vez foi possível avistar bruxinhos chorando pelas ruas, após o término do filme. 

Os créditos subiram como o final de um filme triste. E não foi fácil, não foi simples. Todos os bruxos, antes felizes e ansiosos, tinham lágrimas por sobre as bochechas, ainda mais coradas do que há algumas horas atrás. Ninguém podia se mover de forma alguma, mesmo depois de as luzes terem sido acesas. O primeiro traço de movimento foi percebido. E os olhos de todos os outros se abriram. Era a hora do adeus, e não havia ninguém para ampará-los além deles mesmos. 
E lá estamos nós novamente. Chorando como as crianças que um dia assistiram, encantadas, o filme sobre um bruxinho e seus dois singelos companheiros. Sobre uma escola de magia na qual todos gostariam de estudar. E magos, bruxos, lordes maus que provocavam arrepios... 

E quando os bruxos chegaram em casa naquela noite, foi o momento em que eles souberam. O momento em que eles se deram conta de que aquilo era o fim de uma década, mas o início de uma era. O momento em que eles se deram conta de que, enquanto seus corações estivessem batendo, e cada um dos sete livros estivesse em suas estantes, Hogwarts estaria lá para recebê-los. 

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